terça-feira, 1 de outubro de 2013

O portador do medo.

Ele se aproxima, sem fazer barulho. Olhos e cabelos negros como noite sem lua, pele pálida como marfim. Nuvens de respiração se formam diante de seu semblante, em um dia mais frio que o coração do próprio diabo.

Caminha com as mãos nos bolsos, com a determinação que sempre lhe definiu acima de todos os outros, e passos firmes, porém silenciosos. Não, ele não faz questão de ser silencioso, apenas é assim. Por que haveria de fazer silêncio? Nunca precisaria.

Atravessa a praça como se estivesse em pleno dia, ignorando os poucos mendigos que procuravam se aquecer com jornais e papelões. Ninguém o nota. Tudo bem, ele não queria atenção, sabe que tem tudo o que precisa. Afinal, de todos os portadores, sabe que é o maior: muitos dos que dizem amar, na verdade têm medo de morrer sozinhos; muitas vezes a raiva é o medo do desconhecido; a esperança, o medo de enxergar a realidade, assim como a fé. Muitos atos de bondade se devem ao medo de um suposto pós vida, e de maldade, o temor de se machucar. Ele sorri sempre que pensa nisso ("Coitados, mal sabem o que os aguardam"), e sabe que muito da sobrevivência e da morte de todos os seres se devem a ele.

Contudo, não se enganem: ele não é mal. Faz o que deve fazer, é a razão da sua existência.

Mas esta noite, ah, esta noite... tentaram brincar com ele. E se há algo com que não se deve brincar, é com uma das entidades centrais de tudo.

Finalmente ele encontra a casa. Entra sem esforço. Sobre as escadas. Viu que sua presa estava dormindo, mais fácil do que jamais imaginara. Bastou um toque em sua testa, e já foi possível ver a respiração daquele pobre ser que ali jazia em sono profundo se alterando, com o suor escorrendo em sua face. Está marcado, selado para sempre. Se quisesse um descanso a partir dali, seria apenas em sua morte ("mal sabe o que o espera").

Mais uma existência fútil condenada. Mas o portador se apressa, sabe que ainda resta muito a se fazer, antes que o momento final chegue.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Dead Men Walking.

Não sei como explicar, mas eles caminhavam.

Levantaram pela manhã, com seus olhos sem vida, invadiram as ruas caminhando numa estranha profusão de padrões. Pareciam formigas guiadas por alguma espécie de Deus sádico.

Mas eles caminhavam.

Não pensavam, não sentiam, não olhavam para os lados. Quem visse de perto, poderia notar alguma espécie de comunicação saindo de suas órbitas morimbundas.

Mas, mesmo assim, eles caminhavam.

Uma turba silenciosa e organizada, apenas preocupada em seguir seus instintos mais básicos, como a fome. Alguns ficavam agressivos no menor sinal de provocação e, em outros, a apatia era tudo o que dominava.

Apesar de tudo, eles ainda caminhavam.

E o que mais pareceria uma cena de fim dos tempos, no fim das contas, se torna dia-a-dia. E existe pior forma de ser um cadáver ambulante do que não viver pelo que se deseja?

No fim das contas, eles apenas caminhavam.