segunda-feira, 24 de março de 2014

O laço e o fim.

  Uma faísca. Não houve explosão, gritos, feridos. Não passou no noticiário. Não atraiu sequer a atenção de quem estava ali, ao lado.

  Mas bastou um estalo, uma epifania, e tudo aquilo em que acreditara se mostrou roto, tal qual grande parte das coisas em seu passado.

   Pudera, ele nunca pôde ser considerado um cara de grande sorte. Caralho, nem uma mínima sorte, poderíamos dizer.

  Ele estava ali, com uma carta em sua mesa direcionada a ninguém, e uma corda pendurada com um laço que selaria seu destino. Estava decidido, e ninguém o convenceria do contrário. Essa merda acaba hoje.

  Uma faísca, e toda a sua vida não valia mais a pena.

  Com sorte, o encontrariam semanas mais tarde, graças a uma insuportável quantidade de moscas e um cheiro de carne quase tão podre e suja quanto sua consciência.

  Acabaria ali, agora. Merda, suas pernas tremem. Mas essa seria a única coisa terminada em sua vida, sua própria vida. Pela primeira vez, ele não estava disposto a vacilar. Pela primeira vez, seguiria até o fim de uma decisão.

  Agora, estava olhando de cima de sua cadeira o que ele imaginava ser o topo do mundo. Pensava em como, sem nenhum remorso, cagaria na cabeça de cada pobre criatura que ali estava. Riu ao imaginar. Estava pronto pra pular.

  Porém, no momento crucial, no clímax do fim, nada aconteceu. Pelo menos não com o seu pescoço. Nem com sua corda. Ele estava ali, parado no ar, levitando como um truque de mágica barato e antiquado.

  Lágrimas escorrem em seu rosto, dada a situação impossível que presenciava. Droga, será que ele estava errado? Será que deveria viver? Tudo levava a crer que sim.

  A resposta de algumas perguntas às vezes se revelam a um preço alto demais, e é isso que nosso amigo percebe ao pousar no chão, com violência. Seu laço estava solto, como uma fantasia mal feita de halloween, e houve um alívio súbito, que durou pouco.

  Sentiu uma viscosidade fria subindo por sua perna, e notou que estava sendo tragado pela sua própria sombra, que naquele momento já se apoderava de seu tronco, rastejando por seus braços e avançando em direção à cabeça. Não teria tempo de gritar: aquilo se apossou de sua boca, e o tragou para o chão.

  Houve uma ironia poética quando ele desapareceu: passou a vida sem terminar suas coisas, e sua vida em si nunca terminaria. Sem respostas de como ou onde ele estaria. Mas, de qualquer forma, nunca ninguém perguntou.