Ela tinha medo de espíritos. Tinha sempre a sensação de
estar sendo vigiada, seguida, como se, a qualquer momento, pudesse ser atacada.
Sua família tinha um grande histórico de sensitivos, e já havia visto sua avó
conversando com seu finado avô.
Mas ela, ah, ela não conversava. O medo sempre fora maior que a
vontade de um entendimento. E quando saía de casa, tudo piorava: sentia
milhares de olhos sobre ela, como se uma espécie bizarra de holofote atraísse
todos aqueles olhares sem olhos e carícias etéreas.
Certo dia, o medo venceu. Nossa pobre garota estava ali, encolhida
ao portão da sua casa, chorando copiosamente. Foi quando a mão amiga de um
senhor, seu vizinho de longa data, tocou em seu ombro. Era um homem de 60 anos,
com um rosto rosado e óculos redondos. Estava um pouco acima do peso, e
caminhava de uma forma engraçada. Ofereceu sua mão amiga, abriu a porta de sua
casa e ofereceu um chá, para acalmar o ânimo, e ela dormiu em seguida.
Acordou em uma fria maca. Mas, o que havia acontecido? Era
algo no chá? Ela estava em um pesadelo? Ou havia acordado de um? Difícil saber,
até que o bom senhor aparece na sala, com um avental e máscara e, sem ao menos
dizer uma palavra, começa a serrar o pé da garota. Em meio aos delírios que a
dor das múltiplas mutilações traziam, ela imaginara se era realmente por
espíritos que se sentia desejada e vigiada. Enquanto isso, percebia inúmeras
presenças assistindo a cena, com seus olhares de órbitas vazias.
Nos minutos finais em que sentia sua vida se esvaindo, ela
imaginou se iria se juntar aos espíritos que passou o tempo todo temendo, e aprendeu que devia ter
medo da insanidade e maldade dos vivos, ao invés do frio na espinha trazido
pelos mortos.