terça-feira, 20 de novembro de 2012

Reencontro.



  Rafael mudou, e está ajoelhado. Há alguns anos, era um conhecido empresário do ramo de eventos, com uma conta bancária invejável e propriedades espalhadas pelo mundo. Mas essa nunca havia sido sua verdadeira riqueza: encontrara também Sara, o grande amor de sua vida. Ah, que rapaz de sorte...

  Mais que um homem sortudo, Rafael era intenso. Praticava esportes radicais, viajava ao redor do mundo, comia e bebia do bom e do melhor. Havia se casado há um ano com Sara, e todos os dias pareciam com o primeiro de namoro, porém, algo tão certo quanto o primeiro dia, é que cedo ou tarde viria o último. E não poderia ser tão trágico.

  O casal estava em São Paulo, sua cidade natal, e estava voltando da sorveteria onde se conheceram. Tudo de que Rafael se lembra é de seu carro parando no sinal vermelho, uma batida em sua traseira e um caminhão em alta velocidade no cruzamento.

  Acordou no hospital e, ao abrir os olhos, logo perguntou por Sara. Para seu alívio, disseram que Sara estava bem. Claro que poderíamos considerar isso verdade, se entendermos por “estar bem”, que Sara estava enterrada no Cemitério do Morumbi desde semana passada.
  
  Rafael só descobriu isso ao receber alta, e foi o momento em que ele quebrou. Tudo destruído, e nada mais fazia sentido.  Começou a frequentar os piores lugares, para se entorpecer com as piores drogas e tipos de divertimento mais baratos. Em sua ânsia de retomar contato com sua amada, ele descobriu a magia. Difícil de acreditar, não?  Mas a magia sempre foi uma ciência que ainda não foi “entendida” e, por este motivo, exige um alto preço.

  Como nenhum preço era alto demais para Rafael, logo ele apostou tudo o que possuía neste objetivo: seus bens, sua saúde, sua sanidade, e sua humanidade. Começou visitando o Egito, investigando as crenças sobre o retorno dos mortos, não demorou para estar no México comemorando “El dia de los muertos”, conheceu rituais de “zumbificação” advindas do vudu africano. E foi mais além. Não foi barato, mas conseguiu livros com rituais que sobreviveram à inquisição, e menos barato ainda subornar traficantes de crianças. Sim, neste momento estava perdendo sua humanidade, a linha que distinguia o certo e o errado em sua alma se tornara apenas um borrão, manchado por todas as lágrimas e sangue de bebês sacrificados, obscurecido pela dor de suas auto-mutilações.

    E agora, Rafael está ajoelhado. Estava tudo pronto, e a parte mais fácil foi invadir o cemitério onde estava seu amor. Mais barato ainda foi pagar alguns pobres homens para desenterrar seus ossos, e mal sabiam eles que também seriam envolvidos nesta loucura. Loucura? Talvez não, nosso protagonista sabia o que estava fazendo, e foram anos de preparação para aquele momento. Assim que os dois homens desenterraram os restos mortais de Sara, bastou afundar seus crânios com uma pá, enquanto descansavam de seu ofício.

  Estava tudo ali, ossos, carne desforme, sangue, bálsamo, ervas e símbolos. Bastaria sua voz e o seu juramento de amor eterno para Sara se levantar. E ali estava ele, ajoelhado, gritando por seu nome.

  Nada aconteceu.

  Mas Rafael não desiste, talvez só precise de mais carne, e partirá em sua nova jornada em busca de sangue...